Penchata #3: Brasília, uma prisão a céu aberto

Foi meu primeiro Carnaval, assim, de rua com gente que realmente curte o Carnaval. No primeiro dia no Balaio, domingo, nem me fantasiei, fui de Márcia mesmo. No meio da festa, em meio a tanta gente animadíssima e lindíssima em suas fantasias (às vezes hilariantes, como a guardiã dos maus bons costumes e tantas outras), planejei vestir algo assim no próximo dia, que seria terça (12). Caprichei no make, escolhi uma máscara, mas levei uma fantasia na mente: o sonho de que seria finalmente uma situação de rua, do povo, da gente, um modo de encontrar pessoas que moram em todo canto, de me misturar. E foi.

Brasília tem se tornado cada vez mais estranha, cada vez mais uma “prisão a céu aberto”. Clarice Lispector disse isso nos anos 1970, mas a medida que as décadas avançam, a coisa retrocede ainda mais. Não bastasse o endurecimento da Lei Seca, há uma espécie de “toque de recolher” impetrado pelas autoridades locais, e endossado por aqueles que acreditam que comprar um apartamento no Plano Piloto e um carro é também comprar a cidade. De modo algum sou contra a Lei Seca. Nada disso. Acho que em um País sem educação de base, em que as pessoas não respeitam a vida e nem o direito das outras, é a solução ideal! Mas a coisa foi feita sem estrutura urbana, e estamos presos em nossas casas. Mas vamos voltar a falar da terça-feira de Carnaval, da folia, de uma festa que acontece em todo o Brasil, que está arraigada na cultura nacional, mas que aqui acabou com gosto de repressão.

Brasília não está preparada para ser habitada. É como se os espaços vazios de Oscar tivessem se tornado uma espécie de previsão do que seria a cidade, um tipo de máxima urbana. E numa cidade de vazios humanos, fica difícil transitar, ficam comprometidos os encontros, a cultura, a formação de uma sociedade saudável. E Brasília está se tornando a cidade da exclusão, da segregação. Aqui nada se pode fazer, quase tudo é proibido. Barulho, risadas, diversão, felicidade explícita. Enquanto outras cidades convivem em harmonia com o Carnaval, Brasília repele, ameaça os que ensaiam se divertir em um lugar que tenta se tornar mais que a maquete de um brilhante arquiteto, uma capital que está tentando construir sua história.

Na terça-feira estávamos todos na rua, na 202 norte, sem briga, sem confusão, sem nada além do que uma festa de Carnaval pode significar. Meia-noite: toque de recolher. Nas outras cidades, a festa corria solta, mas na capital do país, policiais usando escudos (como se estivéssemos fazendo barricada e queimando ônibus) desembarcam, mandam desligar o som e decretam o fim da festa. “Hora de ir para casa”, como me disse um deles. Para quê essa violência toda? Vocês achavam que fossem encontrar uma guerra civil, e era só o Carnaval. Mas Brasília não entende a diversão. De tão “moderna”, virou um “tédio com um T bem grande para você”, como diria Renato Russo. Quem é você, policial? E quem somos nós que sucumbimos a repressão, ao toque de recolher, ao separatismo que impõe também aos moradores de cidades satélites que se retirem do Plano Piloto com hora marcada, sob pena de ter que dormir em uma parada de ônibus? O que está acontecendo com o sonho de modernidade? Viramos um rascunho do que sonhou Oscar? Viramos massa de manobra de um governo que, por não conseguir garantir que as pessoas circulem e ofereçam umas a outras segurança habitando as ruas, nos tranca dentro de casa? Somos os pacatos cidadãos que ouvem e vêem tudo isso calados, olhos arregalados, e com medo de sermos presos por estarmos na rua? Cadê a mobilidade urbana? Cadê a tolerância com o crescimento da cidade? Teremos que ficar calados dentro de casa, em nome da moral, dos bons costumes e do respeito a quem quer silêncio para dormir às 11 da noite? Que cidade é essa? E você? Já pensou nisso? Ou acha que ter seu bom carro, dinheiro para pegar um táxi e viajar, para não ter que passar o Carnaval aqui, são suficientes? Parafraseando a Plebe Rude, uma banda que sempre questionou essa cidade: “Sou uma minoria, mas pelo menos falo o que quero apesar da repressão”.

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