Penchata #2
Morreu Oscar. Quando soube da notícia, logo pensei no ambiente de redação dos jornais, correria, atualização do material que, dada a idade do morto, já fora deixado quase pronto, numa gaveta. Ninguém pensa nisso, só eu! (risos). Ele se foi, a obra fica. Brasileiros que somos, cheios de opiniões nas pontas dos dedos na era digital, multiplicamos na mesma proporção piadas, memes, declarações de amor inflamadas e textos cheios de opinião a favor de Oscar. O arquiteto segue imortalizado, plantou sua obra mundo afora. Teve essa oportunidade. Ele foi também o homem que esteve no lugar certo, na hora certa, e construiu muito de sua trajetória graças a oportunidade de praticamente “habitar” com suas criações a cidade de Juscelino. Brasília pode ser o que qualquer um que nunca tenha morado aqui quiser. Pode ser um museu a céu aberto, pode ser maravilhosa, linda, moderna, esplêndida. Mas se formos falar da “experiência Niemeyer”, essa, me desculpem o povo do mundo da arquitetura e os amantes da estética por si só. Essa temos nós, os que moram no lugar que concentra a maior parte das obras de Oscar, nós que (sobre)vivemos em Brasília, entre monumentos, espaços vazios e a falta de ar das janelas minúsculas que sufocam a vista. Sobre a cidade, Clarice Lispector disse, do alto de sua poesia: “Uma prisão ao ar livre.” E pode ser verdade.
Um projeto audacioso, megalômano, no meio do nada. Um delírio que encontrou condições de ser viabilizado. Uma cidade que nasceu, está crescendo e tentando se desenvolver. Perdi a veia romântica para falar da cidade com tantas obras arquitetônicas ao ar livre, mas que exclui o povo para quem Oscar, Juscelino e Lúcio deveriam ter pensando a capital. Um projeto que forjou uma elite e isolou a política do resto do país. Um projeto idealizado para 500 mil habitantes… estéreis. Ou será que nos idos dos anos 1950 não se podia prever que as pessoas se reproduziriam? Mas nada disso é culpa diretamente de Oscar ou tem algo a ver com sua morte. Para além do legado, ele ganha o status de “Deus das formas”, graças (também) a esse momento mágico que é a morte. Parece que quando morremos, ganhamos uma espécie de armadura que de tudo protege. Perde-se o senso crítico em nome de uma euforia post mortem e não quero eu integrar a fila dos que falam mal de Oscar. Não mesmo. De sua obra digo apenas o seguinte: não se relaciona com o indivíduo. Essa sempre foi e sempre será minha crítica. É como construir uma roupa linda, linda, com que não se pode sentar, dirigir ou ir ao banheiro. Um ótimo artista plástico, mas arquitetura não tem de fazer parte da vida, considerar as necessidades de quem fará uso dela? Quem mora em Brasólia sabe que essa nunca foi exatamente uma preocupação do mestre. E apesar de todas as minhas palavras meio curvas, tortas, admito minha admiração. O grande mérito de Oscar foi também a coragem de fazer algo de que os brasilienses andam se esquecendo muitíssimo: desafiar convenções, pensar fora da caixa, exercer a sua verdadeira vocação. As obras de Oscar encerram em seus corredores, nas salas com ar condicionado dos prédios públicos, a promessa da tal estabilidade. Em Brasília, às 19hs, começa a hora do Brasil, mas já terminou o expediente de muitos que engavetaram sonhos em troca da promessa de “estabilidade financeira” dos altos cargos públicos, exercidos dentro de obras arquitetônicas do mestre. Se Oscar tivesse trocado a prancheta por uma gaveta para guardar sonhos, não estaríamos aqui, eu você e o mundo falando dele… Ele teve coragem. RIP, Niemeyer. Valeu!


Texto real concreto, sem bajulações e santificações a quem morreu.
Arrasou marcinha!!
Putz. Pensei nisso demais. Linda pra quem olha de cima, da TV ou de longe!!! Brasília é foda! Só quem mora (ou já morou) conhece a estupidez!! Afffff. Saco esse povo babando! Morre e vira santo (o ateu!). Quem já entrou na igrejinha São Francisco (Pampulha) tb já quase bateu a testa na parede ou quase morreu sufocado e de calor!!! Nada pra conviver ou viver. Mas para ver!! Inglês ver!!
Análise maravilhosa (ainda que eu tenha as minhas ressalvas). É isso, sacizada: a experiência Niemeyer temos nós, com suas dores e delícias!