“Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação”. As palavras aqui são do líder político americano Martin Luther King Jr. Foram pronunciadas por ele no histórico discurso que fez há mais de 45 anos, em 23 de agosto de 1963. Foi nesse discurso que Luther King fez uma das mais célebres peças de oratória do século 20, quando afirmou que tinha “um sonho”, resultado da luta pelos direitos civis na assim chamada terra da liberdade.

Disse o pastor: “Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!”

É duro ler tais palavras sem se emocionar com o que o planeta assiste e vive. A vitória do candidato democrata, Barack Obama, 47 anos, na corrida pela cadeira presidencial na Casa Branca, é um daqueles momentos em que a história é reescrita diante dos nossos olhos. Há quem subestime a capacidade dos cidadãos estadunidenses de tomar nas mãos as rédeas e conduzir a nação mais poderosa do mundo para outro patamar civilizatório.

Foi preciso um fracasso financeiro e o aprofundamento do abismo social na América para que eles despertassem e, enfim, fizessem História – assim, com H maiúsculo. Sem falar do trauma pelo insucesso nas duas guerras tocadas agora no Oriente Médio, que já custaram algo em torno de US$ 4 trilhões, 4,4 mil vidas de soldados americanos e, calcula-se, a morte de cerca de 1,5 milhão de civis iraquianos.

Não é pouco o que aconteceu em 4 de novembro. Basta ver o grau de comparecimento de jovens às urnas. E do envolvimento deles nesse tema sempre tão árido e desprezado pelos neocons daqui e de lá, a Política – assim, com P maiúsculo. Estima-se que um exército de 10 milhões de americanos arregaçaram as mangas e foram à luta ontem em todas as cidades daquele país para estimular o comparecimento dos eleitores americanos a ir às urnas e votar. Lembre-se, leitor, nos Estados Unidos, o voto é facultativo. Pois 66% dos americanos foram às urnas. Uma marca histórica.

A batalha por votos teve não apenas o envolvimento emocional dos eleitores, como a disposição para colocar dólares na campanha democrata. O New York Times informa que Obama arrecadou US$ 640 milhões em doações entre seus simpatizantes. É muito dinheiro. Também nunca antes se viu a tecnologia do século 21 a serviço de idéias. Pois a internet foi arma crucial de mobilização e organização de voluntários da campanha vitoriosa. A mensagem de mudança cativou dezenas de milhões de americanos.

É chocante assistir à eleição deste jovem negro, filho de pai negro, africano, do Quênia, e de uma mulher branca, do Havaí, chegar a uma vitória expressiva numa sociedade que, há 45 anos, nem reconhecia direitos dos negros. Em que uma criança negra não tinha a possibilidade de sentar-se em lugares públicos ao lado de uma criança branca. Em um lugar que segregava as pessoas pela cor da pele. Em que negros não votavam. Foram 45 anos para mudar.

Uma mudança que custou a vida de alguns grandes homens, que marcaram a História. Muitos, com a própria vida. Em 1968, Luther King foi abatido a tiros. Precisamente, no dia 4 de abril, momentos antes de uma marcha em Memphis, pelos direitos civis. Meses depois, outro visionário seria abatido, o candidato democrata à Presidência Robert Kennedy, que tinha a disposição para mudar as coisas. Só a partir disso, é possível perceber o grau de polarização na América. Imagine, pessoas mortas por quererem mudanças.

E não consigo deixar de pensar nas palavras de Luther King, ditas na véspera de seu assassinato, quando fez outro pronunciamento emocionante, em que dizia vislumbrar os dias que viram à frente. Disse o pastor: “Temos de enfrentar dificuldades, mas isso não me importa, pois eu estive no alto da montanha. Isso não importa. Eu gostaria de viver bastante, como todo o mundo, mas não estou preocupado com isso agora. Só quero cumprir a vontade de Deus, e ele me deixou subir a montanha. Eu olhei de cima e vi a terra
prometida. Talvez eu não chegue lá, mas quero que saibam hoje que nós, como povo, teremos uma terra prometida. Por isso estou feliz esta noite. Nada me preocupa, não temo ninguém. Vi com meus olhos a glória da chegada do Senhor”.

Não sou messiânico, nem considero que Obama seja o cara que veio redimir os Estados Unidos pelos erros cometidos. Não creio em salvadores da pátria. Mas não consigo deixar de me emocionar ao lembrar desse discurso de Luther King justamente no dia seguinte à vitória de Obama, um negro que não teve de apelar para a condição racial a fim de angariar os votos e mostrar que, sim, na América tudo é possível. Que é possível mudar. Que é possível acreditar que as pessoas podem transformar o estado geral das coisas. Que a participação popular é condição para virar a página da História.

Depois de 40 anos de hegemonia dos falcões da direita americana, da agenda reacionária dos conservadores que martelaram esse discurso implacável de que o importante são os bens materiais e não apenas as pessoas, que o sucesso tem de ser perseguido a qualquer preço, assistimos à mudança. Agora, os neocons das brigadas Karl Rover – o “cérebro de Bush – e das vanguardas do atraso daqui terão de colocar a violinha nas costas e cantar em otras plagas. Como disse Obama, nesta madrugada, “a mudança chegou aos Estados Unidos”.

Antes de acabar aqui, transcrevo um trecho do discurso do presidente eleito, no tom sereno que marcou a sua campanha, que mostra ter consciência de que a tarefa pela frente será árdua, sacrifícios virão, mas não há porque esmorecer.

Diante de milhares de simpatizantes que permaneceram acordados em Chicago hoje de madrugada, afirmou o primeiro presidente negro dos Estados Unidos: “Há grandes americanos, hoje, morrendo nos desertos do Iraque ou no Afeganistão. Nossa subida será difícil. Não vai ser resolvida em um ano, dois ou em um mandato. Mas, americanos, eu lhes prometo: teremos um futuro melhor. O governo não pode resolver todo problema. Mas eu serei honesto com vocês em cada momento. Construiremos este futuro tijolo por tijolo. A mudança não virá sem vocês, sem um espírito de sacrifício vindo de todos, no qual cada um de nós decidirá que trabalhará mais para que o melhor venha. O Partido Democrata venceu uma grande vitória esta noite, mas é uma vitória da humildade. Como disse Lincoln, não somos inimigos, somos amigos. Para os americanos cujo apoio não tive, posso não ter tido seu voto, mas quero conquistar sua confiança. Sou seu presidente. Estou ouvindo vocês. Um novo amanhecer da liderança americana vem hoje”.

Por Olímpio Cruz Neto

3 comentários sobre “Barack Obama

  1. Boa tarde gostei muito a máteria trasncrita por Olímpio. Porém, nos limetes de vossa possbilidade, favor enviar-me site e/ou do Obama.

    Saudações

    Mauricio

Comente

Seu e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.