Sobre a falta que você me faz
Fui casada muito tempo. Durante muito tempo também fomos sócios. Um dos grandes problemas de nós dois, naquela época, era que não tínhamos novidades para contar em casa. Que não tínhamos nada de novo para conversar. Afinal acordávamos, íamos trabalhar, almoçávamos e etc, etc… tudo junto. Até irmos para a cama no final do dia, juntos. Problema diagnosticado e resolvido, na época. Deixamos de ser sócios. Receita de sucesso? Não.
Hoje, vejo a vida tão diferente. Hoje, é tudo bem menos complicado. Ao mesmo tempo, bem menos simples… tá entendendo? Não? Peraí…
Falando sobre essa coisa de “o tempo todo juntinho” ou sobre “o resto da vida”, bom, já descobrimos (nós, depois dos 30…) que “o resto da vida” é muito tempo. Eu diria tempo demais. Tempo. Relativo. Eu gosto da idéia de morar separado, sabe? Mas não tem a ver com tempo, justamente tempo. Se existe a mínima possibilidade de dar certo, não é uma questão só de tempo. É de natureza de tempo. É de qualidade de tempo. Hoje eu sei, não adianta passar pouco tempo com a pessoa, ter novidades e perder a vontade de falar com ela. Entende a sutileza da coisa? O tempo e o espaço são chaves. São mistérios. Por vezes, o tempo sem o outro é tanto e o espaço entre os dois é tão grande que acaba-se perdendo a conexão. Não se tem mais o hábito. Não faz diferença. Não se sente a falta.
Falta. Nem tempo, nem espaço. Deve existir a falta. Tem de faltar algo. Taí uma máquina que só funciona quando incompleta. Quando falta alguma peça. Quando não existe o outro “inteiro” pra você. Para que seja bom, deve ser incompleto. Por vezes, sofrido, sim. Muitas vezes, a maior parte do tempo. Mas sempre essa vertigem de não saber ao certo o que te move em frente. “Eu ando em frente por sentir vontade” disse o Marcelo Camelo. É verdade. A vontade que te move é o “eterno não dá” porque quando “dá” parece que é tudo o que você precisa. Mas o que você precisa, de verdade, é a falta.
Quando o outro existe inteiro pra você, ele se perde. O que sobra é a rotina e a busca acaba. “Que triste isso! O que a gente faz pra ser feliz, então?” Não busque a totalidade. Não busque o ideal. O ideal machuca. Busque alguém que não esteja inteiro. Que não seja inteiramente seu, tanto no sentido do pertencimento como no sentido do entendimento. Busque em alguém a falta. “O sofrimento?” De certa forma. Existe algo doce no “não dá”. “Só o amor não concretizado pode ser romântico…” Não! Diria que o amor deve ser concretizado sim, em suas inúmeras formas. Mas ele deve ser incompleto. Me deve faltar algo, sempre. Erro fatal? Resignação. “Vou dar tudo o que ela(e) quer. Se não, me esquece.” Não. Tire-lhe algo que ela(e) nunca vai esquecer. Eis o segredo. Quem é apaixonado e permanece apaixonado sabe. Quem o apaixona o desestabiliza. Quem o apaixona faz muita falta.
E sobre a falta que você me faz? Diria que é suportável. Ela existe. Tem dias que me deixa de mau humor. Me deixa insegura. Tem dias que tiro você do meu Facebook, do meu Whatsapp, do meu universo. Tem dias que, sim, penso em outras coisas. E tem dias que te queria mais perto. Assim, como as pessoas normais são, sabe? “O tempo todo juntinho…” Tem dias que não. A tua falta é, pra mim, movimento. Ela é colorida. Ela não me deixa em “paz”.
Mas é suportável. Tento vê-la como uma febre. Dessas fortes e rápidas, como a que tive há pouco tempo. Você sente aquilo agudo, te devorando por dentro. Nem sabe se é bom ou ruim. Você sente. A febre é uma sensação de frio e calor misturados. Mas a febre sempre me lembra que estou viva. Que meu corpo está lutando por mim. Ela me lembra que existo e existo bem. Sinto e sinto tudo. Sobre a febre e sobre a falta que sinto de você posso dizer: melhor assim.

