Será que a culpa é do Lúcio Costa?

São Paulo. OK, cidade massa! Sempre que venho aqui volto apaixonada. Por alguma coisa, por algum lugar ou por alguém (geralmente as três coisas…). Cidade de verdade. Gente se esbarrando, carros por todos os lados, vendedores ambulantes, pouco espaço, engarrafamento, gente, gente, gente… ufa, muita gente.

Confesso que Brasília me tirou um pouco a agilidade. Me desviar das pessoas, circular na multidão, ir a pé de bar em bar. Até dá medo, sabe? Andar a pé na rua me dá um certo medo. Medo de quem desaprendeu a andar sozinha, com as próprias pernas.

Brasília é uma cidade diferente, sem nenhuma dúvida. A interação das pessoas acontece de forma diferente. Os espaços coletivos são em menor número e a gente não tem circulação de gente. Calçadas, cafés virados pra onde se passa, essas coisas. Ruas ou bairros com um botequinho ao lado do outro e a gente pode escolher onde vai sentar. Essas coisas. Ouvi de uma professora da Arquitetura que estava aqui comigo acompanhando os meninos que a vida só nasce do caos. Que a gente só sente a vida no meio do calor das pessoas, do movimento, desse eterno ir e vir de gente. Sendo menos poético, da bagunça mesmo.

Parei no meio do povo aqui, algumas vezes, e fiquei sentindo esse passar de gente. Fiquei olhando para as pessoas. Fiquei notando o pulsar. E é, sim, muito mais provável que alguém pare pra falar com você, puxe papo, se apresente, fale da vida, em um lugar assim. Onde somos quase obrigados a nos perceber. Onde, praticamente, caímos uns por cima dos outros. E tem vezes que caímos mesmo. Experimente o trem urbano no dia do jogo do Corinthians. Aventura.

Mas aí, lembro que tô voltando pra Brasília. Minha cidade querida. Com suas ruas largas, seus cenários tão bem constituídos. Tudo no seu devido lugar. Lembro de como é. Andar de carro. Andar de carro e, quase sempre, andar de carro. Estaciona, faz o que tem de fazer, vai onde tem de ir e… pega o carro de novo pra ir a outro lugar. Assim. Bem assim. Gente esbarrando em vc? Nunca! Falta de espaço? Raro, bem raro! Tudo organizado.

Minha formação de arquiteta me faz entender teoricamente o modernismo. Me faz admirar tudo o que foi concebido e construído e amar cada um dos cinco pontos da nova arquitetura. Sério. Sou defensora ferrenha de Brasília, do Plano Piloto e, hoje, não me vejo vivendo em outro lugar. Não vejo lugar melhor. Só que quando amo sou crítica. Amo sabendo e aceitando cada um dos defeitos. Com Brasília não ia ser diferente.

Acho que tem um pouco disso sim. Da falta de desorganização. Da falta do orgânico. Da falta do aperto, da massa. Sobra espaço, falta tempo. Então, o que acontece? Não nos encontramos. Não que aqui o povo não corra. Corre sim! Mas é que corre uns contra os outros. Inevitável o encontro. Por vezes violento. Por vezes e mais vezes fugaz, mas encontro.

Modernistas, desculpa. Mas não nos encontramos em Brasília. É difícil. Experimenta errar a noite. Acabou. Não tem correr barzinho pra ver qual tá melhor. Dá preguiça. Não tem conversa de calçada. Não tem. E a gente vai tentando encontrar mas é difícil. A culpa é do Lúcio, que não pensou num monte de corações solitários soltos e tristes no Planalto Central. A culpa é do Lúcio.

5 comentários sobre “Será que a culpa é do Lúcio Costa?

  1. Eu ando.Literalmente ando por Brasília. Encaro o desafio de me embrenhar pela mata fechada que essa cidade se transforma quando se depende de transporte público. Eu vejo gente.
    Nascida aqui, conheço poucas cidades, mas nenhuma me permite olhar pro céu e ver céu. Poder escolher entre muvuca e calmaria…
    Tudo é muito grandioso por aqui, somos formiguinhas diante dos monumentos, entre eles o céu… edificações imponentes. Pequeninos e solitários em nossos quadradinhos, talvez, mas as pessoas se reiventam…
    …A cidade já superou o quadradinho faz tempo

  2. Engraçados somos nós…. Nasci no interior, naquelas cidadezinhas traçadas ortogonalmente por militares, onde há uma igreja imponente, uma praça central com os troncos das árvores pintadas de branco. Os espaços de encontro são a praça, a escadaria de igreja. Todos sabem da vida de todo mundo, como espectadores: quem passa, quem fala, quem fuma. Nunca mais! Então de repente estou mais uma vez em São Paulo reclamando da falta de vida de Brasília, da falta dos espaços de encontro, da falta de gente. Mas chega o domingo, desço para comprar pão na padaria, o porteiro avisa que eu esqueci algumas coisas no carro – acabei de mudar e ele sabe qual é meu carro!. Melhor tirar para não chamar ladrão! Algumas coisas no correio… A vizinha me conhece, não sei como. Caminhando na quadra passo em frente à igrejinha e lá está uma missa com cantoria e tudo. Algumas pessoas malhando, outras levando filho pra passear. Tem barraquinha de cachorro-quente e até gente vendendo panela, tapete, passagem aerea (essa pra mim foi nova). O senhor da banca de revista não pára de falar. Chega o fim de semana, meus caros, dá vontade de passear por aqui e descobrir o que a próxima superquadra esconde. Mas isso eu descobri descobrindo…

  3. Brasília é uma cidade muito bem planejada e sucessivamente muito mal administrada desde a inauguração. A culpa nem de longe é do Lucio, basta ler a memória descritiva do plano piloto que ele entregou no concurso para entender. A culpa é desses picaretas que, décadas a fio, embolsaram dinheiro ao invés de investí-lo em transporte público de qualidade, condenando-nos a essa dependência doentia do carro.

  4. Entendo o que você sente, mas discordo que a culpa seja do Lúcio. Brasilia nasceu e foi abortada quase que sincronicamente. A ditadura militar que se apoderou da cidade alterou profundamente os rumos originais da cultura, da arte, da economia e do pensar individual. E ainda assim Brasília continua sendo uma cidade instigante. Tem samba bom, chorinho bom, grafiteiros da hora, artistas e intelectuais pra lá de respeitados, mulheres lindas, caras educados, lojas de tudo que é jeito, restaurantes pra todos os bolsos e a maior concentração de terapeutas holísticos da face da terra ( será que para darmos conta da cidade?…irônico ! )

    Mas Brasília não é São Paulo. nunca será, e na boa, tou dando graças a Deus. Amo SP, mas amo Brasília e decifrei a esfinge. Brasília não é um avião não moça..é uma esfinge ! ou voce a decifra ou ela te devora.

    O forte de Brasília é o silêncio mesmo. O espaço. O tempo que passa. A perspectiva ampliada e os 52 pontos de fuga simultâneos em uma mesma paisagem coroada por um céu de 360 graus. Brasília é pós-apocalíptica. É cidade pra taoísta.

    E sobre o lance do carro, é mesmo uma merda. ainda mais agora que o GDF reduziu o IPI dos automóveis, na contra-mão da tendência coletiva e ecológica que urge ser implantada em todos os locais do planeta… mas experimente caminhar com amigos em áreas como as 700s da asa sul, ou as 300, enfim, Brasília tem seus tesouros que são exclusivos, não tem em SP, não tem no Rio, não tem nem em Marrakesh. Basta descobri-los, e sim, faltam muvucas públicas – nada que uma boa revitalizada no Conic- SCS – e adjacências não curem. Mas o tesouro continuará escondido…abração, belo texto

  5. Passe a usar o metro e o ônibus e vc vai ver o q é esbarrar, multidão, calor humano e troca- violenta ou fulgaz! A escolha é sua, transporte individual ou coletivo. E eu como brasiliense q tb sou e q tb mora fora da capital,posso afirmar que a culpa´não é de Lucio, mas sim do modo de vida burguês de Brasília! Qd decidi deixar o carro pra usar transporte comum minha visão de BSB se tranformou e assim, não estou de acordo com seu depoimento sobre o urbanismo da cidade! E acrescento que crescer e viver em BSB nos dá um approach especial qd visitamos ou vivemos em outros lugares e me sinto privilegiada de ter essa sensibilidade, e isso, graças ao Lucio!!!

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