De como se ouve uma história de amor
* nomes e circunstâncias foram trocados para proteger a identidade dos personagens.
Entrei numa loja em sp pra comprar umas roupas. Brechó fofo na Vila Madalena. A vendedora era uma figura. Desceu a loja pra gente. Sabe como é. Duas gaúchas “com cara de mulher rica de novela”, já viu, né? Momento “mulherzinha” da viagem. Olhamos, escolhemos, experimentamos, falamos da vida, das pessoas, dos cachorros e gatos e das mães e dos filhos, etc…
Conversa vai, conversa vem, ela nos perguntou de onde éramos. Porto Alegre, respondemos. Então ela falou de um amigo antigo que morava lá, de onde ele trabalhava, o que fazia e muitas outras coisas. Cheguei à conclusão de que o conhecia. De vista, de muito tempo. Homem bem mais velho que eu, sem muito contato ou intimidade. Ela seguiu falando outras coisas. Volta e meia voltava no assunto do moço. Queria saber mais. Queria saber da vida dele. Eu, como boa ouvinte que sou, fui dando corda. Fui querendo saber, ao invés de só contar.
Daí, surgiu uma história louca. Um romance avassalador que passou por fuga da casa dos pais, noites ao som do piano que ele tocava, cartas e mais cartas de amor e de paixão guardadas até hoje. Ardentes cenas de amor revividas e contadas nos mais finíssimos detalhes (como só mulher sabe contar). Beijos, carícias, mordidas e doçuras que o tempo não conseguiu apagar da memória daquela mulher que estava diante de mim, revivendo os momentos mais fantásticos da sua juventude. Trinta anos depois, ela estava sentada ali comigo, me contando tudo.
E eu? Embevecida! Poucas pessoas vivem algo assim. Muitas nunca vivem nada parecido. Ao passo que muitas vivem isso demais, acaba perdendo a graça. Aventura assim, que marca a vida, é raro. É lindo encontrar uma história assim pelo caminho. Sentar e ouvir.
E sobre as histórias de amor? Bem, sobre estas ainda há muito o que descobrir. Conheço tantas pessoas que, pela incapacidade de viver a sua história, acabam se acomodando e aceitando o que está mais fácil. Mais à mão. Mulheres fazem isso. Homens fazem isso. Conformidade. Adequar-se. Fazer o que os outros esperam de nós. Histórias de amor que marcam a vida, geralmente, não são essas. As que todos esperam. São as que não são fáceis. Nem simples. Histórias de amor, essas que nos tiram de nossa área de conforto, são do contra. São incômodas. Deixar uma história dessas passar dói. Dói muito. Ver que a chance se foi. Ver que não há mais volta dói demais. E a gente abre mão do sonho. Vai viver a vida que esperam de nós. Ela já está ali mesmo.
Ouvir a história de alguém que não pensou no que os outros queriam e que mudou cidade, vida, teve filho, trabalhou pra caramba e se orgulha de cada passo é fascinante. É mais do que podemos fazer, nós, com nossas mentes pragmáticas e racionais. Nós, os de bem. Nós que não fazemos nada, só ouvimos.
Ah! Quanto à história da nossa amiga? Como bem disse ela “Coisa assim não é feita pra ser pra sempre. É como sonho…” Em nenhum momento senti amargura ou tristeza. Só amor e gratidão por tudo. Só a beleza de alguém que tem uma lembrança bonita prá guardar. Quantos de nós tem isso? Quantos de nós podem contar?

