Matizes: mesmo o preto e branco tem tons de cinza
*Por Raquel Cantarelli
Quando saí para trabalhar logo cedo, já estava decidida a escrever esse texto no final do meu dia. Aliás, fui convidada por Ane Molina a escrever depois de uma conversa de café da manhã compartilhado na hora do almoço. Acredito que ela tenha me criado um espaço para desabafar ou quem sabe, organizar as idéias. Eu ainda não sabia ao certo o caminho que este texto iria percorrer. Mas sabia que precisava ser hoje.
Tava frio logo cedo, então, entre um turno de trabalho e outro, busquei um capeletti porque queria fazer uma sopa mais tarde. Cheguei em casa, temperei logo o frango enquanto brincava com a minha filha. E antes mesmo de ir fazê-la dormir, minha sopa já estava no fogo. Hum… sopa de capeletti e uma taça de vinho tinto para me fazer companhia enquanto meu marido não chega do trabalho. Que delícia! Engraçado… Houve um tempo em que sopa e vinho eram as únicas companhias. E a filha apenas um sonho tecnicamente distante.
É curioso como ficamos boa parte da vida nos preparando pra viver as melhores coisas que ela pode nos oferecer. E de repente, quando estas maravilhas chegam, de alguma forma experimentamos o sentimento de que a manutenção delas pode ser mais complexa do que poderíamos imaginar. Quantas pessoas passam pela vida sem experimentar a sensação de que amaram de verdade? Quantas pessoas enxergam a vida em preto e branco? Tive sorte. Encontrei o amor da minha vida. Sorte mesmo, encontrei antes dos 30 ! 🙂 Barbaridade, muuuuita sorte. Ele me deu uma filha, aquela que habitava meus sonhos.
Mas de repente, apesar de ver o mundo colorido, vem o medo de perder minha própria cor. Assumir novas identidades acaba sufocando uma identidade original. O que estou tentando dizer é que tenho a sensação de que estou me tornando uma pessoa desinteressante para aquela que mais me interessa. A rotina de trabalho, as demandas da casa. Não sei onde fui parar. Não sou mais minha prioridade. E acredito que de certa forma isso foi tirando a minha graça. Não viajo mais, não tenho mais histórias pra contar, não consigo me disciplinar nem para fazer uma atividade física. Não tenho um Hobby. Não sei se ainda consigo arrancar algum suspiro. E tem mais: a memória… esqueço palavras, parece que não consigo absorver as coisas da mesma forma… Mas já me disseram que isso é bobagem. Que é desse jeito mesmo, pelo menos nos primeiros anos de maternidade. Normal (ufa).
Em alguns momentos da vida somos obrigados a mudar, a seguir outros caminhos. O irônico é que isso acaba colocando em risco tudo o que construímos. Eu não era assim. Sempre enchi a boca pra falar que eu sou a mulher que a criança que eu fui gostaria que eu fosse. Essa ainda sou eu? Por vezes nem eu consigo me relacionar com esta pessoa que estou me tornando. Sem graça. Sem novidade. Ainda ontem quando fomos dar um passeio com a nossa filha, no inicio da noite. Eu disse: amor, quero conversar. Conversar sobre mim… vontade de expor todo esse sentimento. No fim não tivemos oportunidade. Quando sentamos para comer a Mariah resolveu passear pelo restaurante. Já viu, né? Mas era justamente isso que eu queria dizer… perguntar: tu ainda me admiras? Ainda sou interessante? Não quero precisar comprar uma lingerie nova… quero que minha pele ainda seja a coisa mais maravilhosa de ser tocada antes de dormir. Sim, esta ainda sou eu. Acredite, estou aqui, em algum lugar. Aliás, será que dá pra me ajudar a achar? Cadê?


Raquel,
Não pouco me deparo com a realidade de quem coloca os filhos e o marido (ou a esposa) na mala e viaja de um continente a outro em busca de seu prazer. E leva a vida de uma forma que nós, outros como tu, parecemos perder.
É, os homens também perdem sua cor, também perdem sua identidade.
Agora… quanto à questão do “Tu ainda me admiras?”, perdão, mas a questão é outra: Tu te admiras?
Por outro lado, parece haver uma sobreposição de situações: Conversar com a pequena passeando pelo restaurante é misturar duas realidades distintas.
Isto é comum e fácil de corrigir, filhos são sempre bons, mas tudo tem sua hora: eles (os filhos), jjantares, cinemas, teatros, amigos, etc.
Para acabar com minha intromissão: Sou da opinião que não se espera para “precisar comprar a lingerie nova”. Compra logo! Sempre!
Abraço e sorte no teu reencontro!